Inventaram a escova de dente para
limpar os dentes, os cotonetes para limpar o ouvido e os talheres para usar com
comidas. Isso não significa que não possamos limpar os dentes com cotonetes,
usar uma faca para apertar um parafuso e uma escova de dente para limpar um
fogão. Fazer uma cadeira de mesa ou uma mesa de cadeira. As coisas quando
inventadas têm objetivos específicos, porém o homem atribui significado que lhe
for útil e necessário devido à circunstância.
A caxirola é um instrumento
musical. Se os neandertais (que nesse episódio foram alguns torcedores do Bahia,
mas que podia ser do Vitória ou de qualquer outro time) que a atiraram no campo
a fazem de “arma”, “instrumento de protesto” ou objeto para escancarar o seu
provincianismo e falta de educação é uma opção deles, ok. Mas não se deve
culpar o inventor e seu empreendedorismo, para assim consequentemente amenizar
esse gesto paleolítico em pleno século XXI.
Não acho que a caxirola seja uma
cópia do caxixi. Ele criou algo derivado do caxixi e nao fez questão de
esconder isso, tanto que manteve o derivado do nome, e grande parte da estética
do caxixi original. Não temos costume de levar caxixis pro estádio, tudo bem,
mas lembremos que os caxixis são usados, junto com o berimbau (que também não levamos pro estádio), para produzir o som da capoeira que é uma legitima e consagrada manifestação
cultural. Ele deu o tom comercial ao caxixi,sim, óbvio, que pouca gente da
população conhece (mas que devia conhecer pela sua ancestralidade africana!) e por
conta disso não tem acesso, faz-se ignorante.
Essas pessoas que atiraram as caxirolas no
campo do estádio são as mesmas que atiram sapatos, rádios, relógio, copos,
moedas, latas ou o que tiverem em mãos no momento da fúria, instinto puro. Não
adianta trabalhar em cima da proibição, punindo o instrumento se o sentimento
nocivo do individuo vai continuar gerando comportamentos Neandertais. O problema
está no sujeito. O homem precisa evoluir. E precisa reconhecer que precisa
evoluir.
A caxirola está proibida. É tida
como uma arma. Um instrumento musical é tido como uma arma(?!). Uma pena. É a
vitória do controle sobre a criativade, da falta de educação sobre a cidadania,
do senso comum sobre a genialidade, da ignorância burocrática sobre a lucidez-lúdica.
Lembrando que repiques,
bacurinhas, surdos, timbaus e bumbos são usados no estádio, mas apenas por
parte da torcida...10, 15, 20 integrantes. Com a caxirola cada torcedor poderia
produzir seu som, todos podiam participar entrando no ritmo produzido pela
coletividade,inclusive quem não sabe tocar, iria no embalo e entraria no ritmo.
Essa sensação tem nome, isso é plenitude. Imaginem 40, 50 mil caxirolas
interagindo musicalmente? Infelizmente não entenderam dessa forma e preferiram
coibir. Qualquer possibilidade de ameaça a ordem estabelecida ou de reconhecimento da crua natureza humana, por mais que isso venha a mostrar aquilo que de fato somos mesmo sem ter o discernimento de admitir, é rapidamente dissimulada, remediada e revertida moralmente para que se aparente a tradicional normalidade.
Carlinhos Brown está além do seu
tempo. É um visionário. Eu compreendo que deva ser difícil para o Homem-Neandertal,
captar suas ideias e sentimentos. E assim vamos caminhando, assim caminha a
humanidade... “com passos de formiga e sem vontade”.