terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Pessoas de bem precisam se posicionar

As constantes guerras civis na África, a truculência religiosa no islã, a tensão geopolítica no oriente médio, e o desenvolvimento da economia nos países emergentes de 3º mundo (em especial China, Brasil e Índia) indica que estamos passando por um processo de transição, de mudança, de progresso em busca da evolução dos valores da humanidade e do espírito, de um início de tentativa de visão macro e histórica das diferenças e, também, de condições de igualdade econômicas e sociais.

Vivemos tempos difíceis e incertos, é o preço da transição. De dúvidas existenciais, de desconfianças generalizadas, catástrofes ambientais freqüentes, insegurança urbana, ao mesmo tempo em que a ciência e a mídia pretendem estabelecer certezas consensuais e divulgar verdades absolutas.

Ser correto e digno hoje em dia é ser exceção, ganha destaque, prestígio e até admiração dos outros aquele que se posiciona de maneira ética, coerente e autônoma diante de qualquer enfrentamento nebuloso, ideológico, comercial ou numa ocasião injusta que envolva pessoas. Quando se é cortês, você é estranhando pelos outros, é um comportamento em extinção. Chegamos a tal ponto que um singelo ato de gentileza gera no outro uma desconfiança. Ser solidário e altruísta então, pior ainda! Paranóia?

Ícones como Nelson Mandela (1918), fruto da história, e Capitão Nascimento (Tropa de Elite), fruto da ficção, ganharam e ainda ganham destaque e repercussão pelas suas condutas e posicionamentos firmes nas circunstâncias de enfrentamento. A dimensão que toma esses sujeitos demonstra, pelo curso da história, a carência da humanidade em modelos de vida e referências de pessoas que tragam alguma perspectiva inovadora ou modelos de dignidade a serem seguidos (hiato deixado por duas guerras mundiais, queda do muro de Berlim, e pela “morte” das ideologias).

Nelson Mandela teve seus méritos próprios. Combatia fortemente o regime apartheid, ficou preso 28 anos, por alguns deles sob tratamento desumano. E quando todos esperavam uma conduta previsivelmente humana, pois instintiva, (porém, seria também oportunista e leviana), de represália e desforra, ele lidera o governo de seu país demonstrando uma sabedoria política, uma coerência com seus propósitos subjacentes aos seus ideais, uma indiferença quando conveniente ao lidar com a oposição, e um sentimento acolhedor agregando as diferentes raças e etnias. Isso o faz a grande figura humana do século XX. Capitão Nascimento cabe uma análise interessante não só pelo personagem, mas pela repercussão e pela idolatria nacional generalizada. Muitas pessoas o têm como ídolo, a mídia super dimensiona e o coloca na patente de “herói da nação”. Esses fatos demonstram que pessoas e instituições da sociedade civil têm um mínimo de esclarecimento, percebem a fase ambivalente de progresso/regresso que atravessa o espírito humano e principalmente mostra uma noção de discernimento. Eu idolatro aquele que tem a virtude que não tenho, que faz o que sou incapaz de fazer, que esclarece o que pra mim está escuro. A idolatria ao Capitão Nascimento, no Brasil, é assumir nossa condição cultural de passividade e de impotência, é reconhecer a ausência de uma figura emblemática eleita através da história (e por isso coube a ficção fabricar esse personagem) e por fim atestar que temos sim uma percepção, ainda que turva, (associada a um sentimento real de indignação e perplexidade) das falcatruas encadeadas e seqüenciais daqueles que estão nos cargos de comando e exalam o autoritarismo do poder. Assim como das problemáticas sociais que envolvem a dualidade tráfico-marginalidade, exclusão-discrmininação e também das maracutaias que se auto-justificam e são minimizadas por se tratar de um “jeitinho brasileiro”.

E se a arte imita a vida, a rede Globo, cansou de escancarar e também (por que não?) estimular esse traço cultural brasileiro em suas novelas da segunda metade da década de 80: “Cambalacho”, “Vale tudo”, “Sassaricando”, e “Ti ti ti”, tinham como pano de fundo tramóias corriqueiras dos personagens que simulavam o jeitinho brasileiro, a “lei de Gerson”. Inclusive, essas novelas fizeram muito sucesso na época, tamanha representatividade e identificação que tinham com a população noveleira. A cultura brasileira impregnada pelo rótulo do país do samba e do futebol, desenvolve em nós a capacidade de improviso e a condição de adaptação, mas reduz a ética ao contexto singular e a conveniência. No samba impera o molejo e a ginga do sambista e no futebol a malícia, a sagacidade do jogador. Compreensível que sejamos um povo PHD no quesito astúcia e malandragem.

A humanidade precisa de referências históricas, modelos a serem seguidos, coisa que não nos falta. Provamos que sabemos discernir condutas dignas de nefastas. Pergunto: é necessário vestir um uniforme do bope ou ser um líder que enfrenta um regime radical de apartação racial para se posicionar de forma decente, digna e coerente perante uma situação real de enfrentamento? A vida cotidiana não se dá nos campos de futebol nem no sambódromo. As pessoas de bem precisam se posicionar.