quinta-feira, 30 de maio de 2013

O Chiclete com Banana e o sucesso através da baianidade


 O Chiclete com Banana não é, nunca foi nem será, uma banda qualificada musicalmente falando. Não é uma banda de escuta, é uma banda de agito. Até os chicleteiros reconhecem. Têm muitas bandas, de axé inclusive, que são musicalmente melhores, mais bem ensaiadas, com músicos mais estudados e evoluídos, porém não fazem o mesmo sucesso junto ao povo. Esse modelo de projeto muito organizadinho não vende, o povo não abraça. Pelo menos na Bahia.

O Chiclete é um mito. Tecnicamente não tem muito que mostrar, nada exuberante, espetaculoso. Mas quando toca, agita! Sempre acompanharam bem as demandas de mercado, mudando o estilo e a linguagem das músicas ao passar do tempo. De galopes e lambadas da década de 80 (mistério da estrelas, sementes, gritos de guerra; aê-aê do amor, acredite se quiser, vai la mané), ao samba-reggae e merengues da década de 90 ( cara caramba sou camaleão, amar você não dói, titerê) para baladas românticas dos anos 2000 (diga que valeu,100% você, eu quero esse amor, não vou chorar). Seu sucesso  é inquestionável há 30 anos,  algo digno de pesquisa acadêmica.

 Seus músicos são bem limitados e não precisa entender muito de música pra se constatar isso. Até um leigo percebe que a banda toca improvisando, por ora atravessando uns aos outros, sem dinâmica alguma, errando notas e convenções. Mas paira na sua música algo de contagiante, quando as limitações individuais se juntam.

Minha hipótese é de que o povo baiano se identifica com a banda, pois reconhece nela traços enraizados culturalmente em seu comportamento e que é através da banda que o povo se reconhece. A banda tocando,diz: “ó, vocês também são assim, como nós...alegres, gaiatos, esculhambados e que não precisa ser fora de série pra fazer sucesso ou ser competente”. O povo entende muito bem essa mensagem não-dita, nunca-dita. A banda serve de espelho identitário cultural, alento, diversão e extravagância. É muita coisa pra uma banda só...o chicleteiro entra em transe.  É uma dupla sensação de orgasmo musical e afirmação da pertença cultural. Ver o Chiclete no Domingão do Faustão é uma realização pra essa gente. Como se tivesse um êxito na própria vida. “Minha cultura está sendo representada e reconhecida em nível nacional”. Como se fosse ele próprio lá. O Chiclete é uma extensão do seu ser.

Ouvir e dançar com o Chiclete é um exercício psicológico de reconhecimento da cultura local. Uma banda com um ritmo contagiante, dançante e que ainda alia a isso características inconscientes que representam a essência do povo baiano: criatividade, muito improviso, indiferença por regras e ordens, desleixo, afeição por uma “esculhambação” prazerosa representada pela “bagunça musical” da banda. Se fosse muito certinha como a banda de Daniela Mercury, (que pra mim é a melhor da Bahia junto com a de Brown) sua protagonista e seus discursos em prol da cidadania, mesmo que pertinentes e éticos, não creio que o Chiclete faria tanto sucesso. Baiano é gaiato e Chiclete é gandaia!

É uma fórmula mágica, única, onipotente, não planejada, que não tem receitas. Não tem genérico certo: Patchanka, Xicana, Chicabana, Nairê etc. O Chiclete só é possível ser Chiclete por ser criado na Bahia. É criador e criatura. A magia inexplicável que faz a banda ser o mito que faz sucesso sem ser grandes coisas, é a mesma que faz a Bahia ter o poder de legitimar a banda para todo Brasil, fazendo com que essa banda limitada seja apreciada também em outros estados, sendo sucesso nacional e afirmando traços da baianidade Brasil afora. “Que força é essa?” É a magia da Bahia. Que não pode ser lida em textos, compreendida em palavras, ouvida em músicas ou sentida na baía de todos os santos. Essa magia está além do entendimento.

 

Salvador em 2035


- População de 5 milhões de habitantes! Frota de carros chega a 1 carro por habitante. Enfim a prefeitura decide implantar o sistema de rodízio de carros, de acordo com as cores da fitinha do Bonfim amarrada no retrovisor. Branco, verde e vermelho, não rodam segundas e quartas. Azul, amarelo e lilás terças e quintas. A sexta é livre.

- Debate sobre projeto “ciclovias na cidade” é mais uma vez adiado na câmara dos vereadores.

-As praias são privatizadas. Banho de mar: sem mergulho, R$10; com mergulho R$20. Molhar o pé: um é R$3, dois por R$5.

-Bell Marques lança a banda dos netos em alusão à data de nascimento deles. Surge a dezessetevinteequatro -1724.

-Shopping Iguatemi anuncia sua quinquagésima oitava ampliação e fusão completa com o Shopping Salvador, incluindo uma via subterrânea.

-Cientistas russos vêm à Bahia pesquisar o porquê de clubes, parques aquáticos e outros espaços de lazer, sempre serem degradados, demolidos ou improvisados em definitivo como casas de show.

- É lançado o bolsa-divórcio, o bolsa-torcedor. o bolsa-trabalho e o bolsa-corno.

- Dique do tororó é esvaziado para construção de mega empreendimento imobiliário.

-Pontos de ônibus conseguem alvará de funcionamento da prefeitura e da vigilância sanitária e já podem funcionar legalmente como barzinhos informais.

- Pablo e Silvano Sales gravam juntos o dvd “arrocha in-concert” no Teatro Castro Alves pelo projeto “arrocha poeta!”.

- Marcelo Guimarães Neto segue presidente do Bahia e diz que não é igual ao papa Bento XVI, nem ao ex- presidente Collor. Com ele a chance de renúncia é zero.

 - Carnaval nos camarotes rende mais lucro mais do que todos os blocos juntos e empresários estudam extinção do trio elétrico para viabilizar carnaval 100% privado pela primeira vez na história.

- Inauguração do metrô é adiada para o ano seguinte.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Leia com Atenção


Algo que me deixa bastante intrigado é pensar como se vive hoje numa sociedade que induz e faz uma apologia à atenção “polivalente”, ao mesmo tempo em que, sobretudo através das escolas, cresce o diagnóstico de déficit de atenção. Definido por uma facilidade de distração frente estímulos diversos, devaneios frequentes e comportamento de procrastinação.

 Eu acho confuso viver um tipo de vida que propague não só o sujeito multi-tarefas-cotidianas, mas também que as exerça em tempo hábil e efêmero, e ao mesmo tempo querer cobrar, exigir, formar, educar, criar ou produzir (desculpem pela repetição de verbos, minha atenção flutuou!) sujeitos ou modelos comportamentais que não divaguem, que não se distraiam, que não devaneiem ou que não sejam diagnosticados com “transtorno de déficit de atenção”. Ué, mas não é justamente isso que estamos propondo enquanto modelo de vida que exacerba a informação ilimitada? Proponho rever o termo e chamar de “transtorno” (se é que isto se configura um transtorno para a forma de vida contemporânea) da atenção polivalente. Não há déficit, mas sim um meio de vida com um sistema de informações rico, múltiplo e variado, que reparte e distrai a atenção para vários estímulos. E a TV paga, seja Sky, GVT, Claro repercute isso muito bem. São mais de 110 canais e você não passa 10 minutos assistindo um programa sem sequer dar uma passeada por outros. Tem o mosaico multi-jogos também, um canal que na mesma tela passa quatro jogos ao vivo. Qual assistir? Olha os quatro, mas não assisti nenhum. Só temos dois olhos, pra quê quatro jogos? Acho que nem aquele colega (todo mundo teve um) da escola que usava óculos, apelidado de “quatro-zói” dava conta. Talvez seja uma tarefa para o portador da atenção polivalente. Enxerga muito, mas assimila pouco.

(Calma, já vou concluir, não vou tomar muito mais da sua atenção que já deve estar impaciente procurando outra tarefa para se entreter. Mas se você chegou até aqui sem dispersar, pode ir mais adiante).

Estamos sendo instruídos a não nos ocupar com coisas que tomem muito tempo, a largar o que seja difícil ou complexo. Portanto a permanência da atenção em apenas uma tarefa já é, hoje, algo socialmente condenável e mercadologicamente defasado. Há uma política da interrupção da atenção. Interrupção de qualquer atividade pelo toque do celular, pela conversa do whatsapp, pela leitura dos emails, pelo chat do skype, pelas sinalizações do facebook. Pela convocação do mundo das comunicações, já que ele nos impõe a condição de estarmos sempre disponíveis.

Hoje em dia uma conversação longa e atenta é menos importante. Talvez até chata. Muito provavelmente enfadonha. Que o digam hoje os “pegadores frenéticos” frequentadores assíduos das baladas com seus métodos de abordagem que beiram a política da troca de pneus na Fórmula1: quanto menor o tempo em que for realizado, mais eficiente você é. Tem também o método de abordagem baseado na política da concessionária de carros, trabalho em que se vence a concorrência de acordo com as metas estipuladas: quanto maior a quantidade, mais “fodão” você é. Pois é. O campo dos relacionamentos não estaria alheio ao modelo de vida desatento e veloz.

E o microondas? Extinguiu aquele bate-papo gostoso na cozinha, conversa fiada despretensiosa, enquanto se degusta a comida no imaginário apenas sentindo seu cheiro, observando o preparo dos temperos, petiscando um aperitivo roubado na panela antes de ir à mesa. No mundo desatento e veloz não é bem assim. O microondas chegou para desfocar sua atenção e acelerar sua vida. Compre seu nuggets e sua lasanha congelada da Sadia e levem-nos para o microondas. Programe o tempo e aguarde até apitar. Não necessita bate-papo na cozinha para degustação olfativa. Siga as instruções. Você terá tempo para checar emails, colocar o filho pra dormir, ir à academia, tomar seu herbalife, telefonar pra tia que mora em outro estado, cortar as unhas e ainda ver um pedacinho da novela e reproduzir clichês fúteis. Só tem um problema: a lasanha e o nuggets esfriaram.

P.S. Se você chegou até aqui garanto que não sofre de déficit de atenção e merece os parabéns, pois conseguiu se ocupar com algo sem dispersar.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Ela: a escrita


 Sua narrativa tem medida, forma, estrutura. Tese, antítese e síntese. Assim como ela.

Ainda que procure escapar de tudo que lhe cerca, por receios das amarras e pelo seu anseio totalitário de ser livre.

 Embora seja essa a condição que produz suas mais belas motivações. Ainda que ela busque sempre a sutileza educada e refinada de pedir licença aos enquadres para sussurrar seus gritos. Sabe que a contradição está na sua essência, busca iminente pelo uno.

 E a faz com uma doçura lúdica e um charme ímpar. Precisa, indireta...encantadora. Assim é ela, a escrita.

Não se pode conhecer o desconhecido com o conhecido. Talvez nem mesmo sob condições adversas.

É na adversidade que crescemos, criamos e nos mostramos. Mas pode ser também na diversidade.

Venho amadurecendo esse encontro, esse banquete dos sentidos com ela, a escrita.