segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Mitos e ilusões da capital do axé.


Salvador se engana e junto com ela seus habitantes que vivem contaminados pela rotina de seu cotidiano “abaianado”. Tenta posar de algo que não pode sustentar nem bancar. Apesar da geografia privilegiada, vive de uma imagem estereotipada de pólo turístico central do Brasil. Capital do axé, da alegria e da hospitalidade. Vangloria-se de ser a terceira maior capital do país, ostenta com orgulho e certa soberba o posto de “capital do nordeste”. Mais sábio seria olhar para o próprio umbigo. Se mantém constantemente em obras inacabadas, inconclusivas e de logísticas duvidosas, inerentes a qualquer coerência de planejamento urbano. Para se avaliar uma cidade, devemos levar em conta a caricatura que o Brasil faz dela ou os fatos do cotidiano que os membros da população testemunham no dia-a-dia? É uma questão.

Tem no setor de serviços o sinônimo do amadorismo, e os atendimentos (em qualquer ramo comercial) precários, põem a nu a deficiência da informalidade, a incompetência institucionalizada e permite-se questionar se há uma carência de investimento em recursos humanos ou se seria um mero traço cultural? Fato é que ser a terceira maior está bem longe de ser a terceira melhor. Quantidade quase sempre é inversamente proporcional a qualidade, se tratando de vida urbana.

Salvador se esconde no que vende: nos tambores do Olodum, na pimenta do acarajé, na indústria do seu carnaval “pseudo popular”, no tempero do dendê, no refresco da água de côco, no misticismo do candomblé e de seus personagens esotéricos. Cabe outra indagação: o estado, enquanto política de governo e a população articulada em comunidades, priorizam a aquisição de mais turistas ou a manutenção dos habitantes que aqui já estão lhes oferecendo qualidade de vida no sentido mais amplo do termo? Esclarecendo, será que há um “marketing camuflado” voltado pra Salvador, enquanto produto para consumo ou existe alguma campanha/protesto local que enfoque Salvador para se viver? É outra questão.

Há uma hipótese, de vertente cultural, de educação defasada da população/ falta de senso crítico. Ao abrir mão de exigir o que é seu por direito, (condição de cidadania) em detrimento de ofertas baratas de lazer, a população se sujeita a uma das formas mais profundas de alienação das consciências e manipulação de subjetividade. Falam muito da miséria enquanto pobreza, mas esta acoberta outras duas misérias ainda mais graves: a ignorância (miséria moral) e a opressão (miséria política). Mas na Bahia tudo é festa. Pra que exigir, criar protestos, cobrar coerência?

A cidade está inchada, inflada. Não oferece conforto, qualidade de vida, opções alternativas, nem vias de escape proporcional a uma terceira maior capital do país. Basta olhar ao redor: trânsito caótico, orla das mais subdesenvolvidas do nordeste, áreas públicas de lazer escassas, espaços de socialização em decadência, super-habitação da paralela etc. A cidade cresce, é verdade, mas será que se desenvolve pra suprir essa demanda? É outro ponto.

Salvador já está cheia de pseudo salvadores, precisa de um(a) salvador para si.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Quem se encanta, se desencanta.



Um livro lido, uma história ouvida, um filme visto, uma comida degustada, uma fotografia apreciada, um trabalho adquirido, um alguém seduzido, uma paixão vivida. Situações que aos poucos transformam-se em rotina, passam despercebidas. No entanto são detalhes capazes de encantar olhares atentos para a vida.

Eventos do cotidiano que nos dão condição de se encantar (construir para si uma capacidade lúdica, real ou ilusória, de se permitir ser feliz), seja com a arte, seja com a realidade.

Quando estamos encantados, a sensação do impacto inicial, a emoção provocada, os afetos estimulados são únicos. O nosso estado de “glamour psicológico” não é instantaneamente volúvel nem permanentemente duradouro, é simplesmente transitório. Saudável, claro! Porém transitório.

Criar pra si uma possibilidade de se encantar é, também, se deixar futuramente desencantar. Pois nenhuma zona de conforto é constante, estável, regular, linear e cartesiana a ponto de ser inalterável. Nada é fascinante, estupendo, excepcional, extraordinário permanentemente. Estacionar nessa condição efusivamente fantasiosa é plantar desilusão pra colher frustração. E decepção nada mais é que uma overdose de expectativas.

Minúcias da vida que deixam de ser um colírio para os olhos ou uma melodia para os ouvidos, porque o novo já não é mais novidade. O novo é a coisa mais velha que existe. Torna-se conhecido pela arte ou vira um hábito pela realidade.

A decepção tem o seu lado bom. Abre uma lacuna por saltar de um extremo ao outro. O aprendizado em você reconhecer que o antes estava super-dimensionado, a consciência em não repetir numa próxima vez, e a condição (e era sobre isso que queria falar) de se re-encantar. Re-descobrindo novas possibilidades e impossibilidades; re-construindo novos laços, novos vínculos com a mesma “peça” que de encantadora passou-se a desencantada. A vida guarda seus mistérios e tem suas nuances (e que bom que seja assim). Surge a chance dessa vez de se aproximar mais da essência, do real valor que a situação ou alguém tem pra você. Não aquilo que você imaginava que fosse, nem aquilo que você desacreditou por não ser aquilo que você imaginava que seria, mas aquilo que simples e claramente, mostra-se ao seu natural de forma pura e transparente por agregar o encanto e o desencanto, pois tudo e todos têm sua dose de contradição... e é dela que se faz a unidade. O ideal é uma utopia.