domingo, 17 de março de 2013

Patologia Social


Cada vez mais é produzido evoluções ao aparato tecnológico-digital do homem, facilitando as práticas do seu dia-a-dia. Mas será que sua subjetividade acompanha esse crescimento desregrado? Acesso ilimitado de informações e o consequente esvaziamento do convívio e da vinculação genuína entre as pessoas; idolatria coletiva indiscriminada às celebridades de qualquer natureza por razão e méritos desconhecidos; histeria midiática para produzir fama instantânea em figuras anônimas; apologia quase que consensual da busca pelo sucesso (mesmo que efêmero) a qualquer preço em nome a fama. Sensacionalismo de programas “espirra-sangue” na hora do almoço, escancarando a morte e a violência, fazendo delas um espetáculo, debochando da seriedade e gravidade que o assunto exige. Policiais (alguns), de índole e caráter bastante duvidosos.

 Um homofóbico-racista eleito para presidir a comissão de Direitos Humanos. O íntegro Renan Calheiros presidente do senado! Três condenados pelo STF integrando a Comissão de Constituição e Justiça: José Genoino, João Paulo Cunha e Paulo Maluf, este, um dos maiores ladrões da história desse país (Patologias Políticas). Crianças cursando o sexto, sétimo e até oitavo ano (antiga sétima série) de colégio público ainda analfabetas(!?). Professores que não sabem ensinar alegando que alunos não sabem aprender ou que não aprendem por causa do “déficit cognitivo”e que por conta disso devem ser tratados. (Patologias Pedagógicas).

 Mas o preocupante disso tudo é a forma com que essas questões são amenizadas ou despercebidas: bancando o bacana com a turma; bebendo e/ou farreando; estando ao redor de pessoas bonitas chiques e elegantes; mantendo uma aparência que os outros julguem interessante embora seja o que não lhe represente de fato. Estes parecem ser alguns dos remédios contemporâneos para ser indiferente, por talvez reconhecer em si mesmo sua própria impotência diante da magnitude do problema, à todas essas mazelas sociais.

E o que é ser normal em uma sociedade que não é normal?

quarta-feira, 6 de março de 2013

Manutenção em tempos de asfixia


Quebrou o celular, parou de funcionar. Você pede um orçamento na loja licenciada e vê que não vale a pena trocar pois o preço do conserto é quase o mesmo de um novo. Compra-se um novo.Quebrou o microondas (mas poderia ser também a geladeira ou a televisão). Recorremos a lojas autorizadas, solicitamos orçamento e mais uma vez constata-se que não sai em conta fazer o reparo. Melhor comprar um novo. A chance de quebrar é menor e ainda vai vir na garantia.

Mas, antes de quebrar, foi dado algum tipo de manutenção? E, mais importante, depois que quebra, há o desejo real de se fazer a manutenção permanecendo com algo consertado mesmo depois de quebrado?

Não creio que tenhamos como hábito a prática da manutenção. E talvez deslocamos essa conduta também para os relacionamentos de qualquer natureza. E para evitar que se quebre ou que tenha algum defeito, é preciso dar manutenção, praticar cuidados.

Ora, vivendo nesse caos urbano e testemunhando insanidades cotidianas, o fato é que estamos sempre acelerados pela necessidade e eficiência que o mundo do trabalho e do sustento exige. Como achar fôlego para dar manutenção (nas coisas e nas relações) numa dinâmica de vida asfixiante? Nessa atmosfera de vida nociva a válvula de escape mais cômoda é sempre a troca instantânea. Ninguém quer ver o que ou quem causou o defeito. Ninguém quer se implicar na culpa. Ninguém quer refletir pra saber (e admitir) que pode ter tido também participação na situação que causou o dano. Queremos soluções, de preferência soluções imediatas. E pra isso a solução geralmente é se “desfazer do velho” e “adquirir o novo”. Seja através do consumo ou da conquista afetiva. Se desfazendo de algo ou se desligando de alguém.

Assim como os eletrodomésticos e instrumentos, nossos relacionamentos também precisam de manutenção. E o que é melhor: não precisa nem solicitar orçamento, pois não custa nada. É sabido que a garantia dos celulares (1 ano), aparelhos eletrodomésticos (2 anos), carros (até 5 anos já tem) vem na aquisição, na compra. Mas a “garantia” das relações nunca esteve no momento ou no acordo em que ela se inicia se firmando como tal. Pelo contrário, está na forma como se estabelece a manutenção durante essa jornada. A “garantia” é o tempo em que estamos disponíveis para dar manutenção.

Interessante mesmo seria se pessoas fossem como as empresas de elevador de condomínios. Estão sempre ali presentes dando frequente manutenção para evitar qualquer defeito e uma possível quebra do cabo de aço. Uma vez partido, jamais recomposto. Viva a manutenção!

O maracujá enrugado e o limão azedo


Talvez a fruta que mais sirva para tranquilizar seja o maracujá. Não sei se isso é uma lenda urbana, um tipo de efeito placebo ou questão científica. Docinho, refrescante, dizem que sua semente baixa a pressão (quem nunca ouviu uma mãe dizer que ia comprar maracujina pro filho?). Fui na Perini e achei alguns lá, todos bem amarelinhos, vistosos, lisinhos, brilhosos, mas não encontrei nenhum maracujá enrugado. Talvez pensem que maracujá enrugado esteja ruim ou podre e daí achem que não é atrativo pro cliente comprar ou talvez pensem que sua aparência não combina com o charme da loja, destoando das outras frutas que compõem aquele visual multi-colorido de lindas frutas quando ficam maduras e colocadas em diferentes cestos uma ao lado da outra.

 Coitado do maracujá enrugado. É o que pode oferecer o melhor sabor, mais consistente e também o mais farto dos maracujás. Quem compra fruta sabe:  maracujá bom e maduro é o enrugado. Cansado de ser discriminado e querendo reivindicar seu direito de ser considerado um maracujá útil e passível de ser posto à venda junto com outras frutas maduras, ele deu entrada junto no SFD (sindicato das frutas discriminadas). Lá, na fila, encontrou vários limões à sua frente. Insatisfeitos com os rótulos que recebem, iniciaram um diálogo.

M: qual é seu problema limão, o que faz aqui?

L: Ah maracujá, eu não aguento mais!!!

M:mas o que foi que houve?

L: sempre ficam me chamando de azedo...hunf...além do mais tem esse meu primo aí, o limão siciliano... chegou no mercado e aumentou a concorrência!

M:Então está preocupado com o que os outros acham daquilo que tem por dentro, limão? Já a minha preocupação é o que os outros desconsideram do que tenho por dentro baseado na minha aparência não muito agradável.

Encerraram o diálogo ali, se solidarizando. Em relação às pessoas e outras frutas eu não posso afirmar quais condições representam seu estado maduro. Mas o que eu sei é que maracujá bom, é maracujá enrugado. Dê uma chance ao maracujá enrugado, ajude a reduzir a discriminação frutífera e contribua para um mundo mais calmo e tranquilo.

Um dia todos nós também ficaremos enrugados...a dúvida vai ser saber se estaremos mais pra maracujá ou pra limão.

A marinheira e a bússola


Unidas pelo mesmo espírito aventureiro. A marinheira viajante e a bússola viajada movidas pelo desejo navegar. Navegar pura e instintivamente. Explorando lugares desconhecidos e experenciando sensações inusitadas. A bússola guiava a marinheira a ilhas nunca visitadas antes, a paisagens nunca exploradas em outro momento, a águas meio turvas e mexidas, a um ponto em condições de atracar. Por não conhecer aquele território e não ter o domínio de pra onde estava sendo levada, a marinheira começou a desconfiar de sua bússola.

Munida pelo senso de direção a bússola parou de indicar direções (sim é contraditório, a própria bússola se perdeu). Chateada por querer se situar e saber em que direção sua embarcação estava indo, a marinheira jogou sua bússola no mar. Preferiu se desfazer dela por achar que sua única utilidade era dizer onde estava e para onde ir. Sem a bússola, a marinheira navegava por si própria, voltando navegar pelas mesmas águas calmas e claras, ilhas conhecidas e lugarejos que sua embarcação já conhece, repetindo trajetos e ciclos.

Após afundar, chegando no fundo do mar, a bússola foi acolhida por um cardume de peixes, e subitamente voltou a funcionar, apontando direções corretas e precisas.  A riqueza daquela fauna marinha a inspirava, a serenidade do movimento das águas profundas a tranquilizavam...lá a bússola conseguia ser ela mesma. Onde se perdeu foi quando conseguiu se achar.

 Não sabia a marinheira que a plenitude do funcionamento de sua bússola se dava nas profundezas, e não na superfície.