segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Trilogia dos relacionamentos sustentáveis - episódio 1: a vitrine

A vitrine é aquele espaço em que se colocam as peças mais interessantes (ou valiosas, mas nem sempre) de uma loja para ganharem destaque, para serem apreciadas pelo consumidor, e consequentemente, adquiridas. É fundamental, na exposição da vitrine, que sua distribuição espacial esteja organizada, exclusivamente, para seduzir o iminente comprador. 

Conscientemente ou não, ainda que não queiramos nos vender para o outro, nas relações também somos vitrines de nós mesmos pela forma que gerenciamos as características de nossa personalidade que queremos que sejam vistas pelos outros. Na era da exposição exacerbada e da aceitação condicionada à aparência e a popularidade, ninguém exibe o que imagina que os outros vão reprovar. Ou seja, inicialmente ninguém se mostra por completo. Tal como a vitrine da loja, está ali para seduzir. Tal como a sedução, está ali para enfeitiçar.

 Essa nossa vitrine exibe, mas também oculta. Ela também indica peculiaridades através de sinais, basta saber interpretá-los e desvendá-los. Caso contrário seu relacionamento com esse outro não passará de um conto de fadas.


Então, primeiro passo para um relacionamento sustentável: observe (pacientemente e cuidadosamente) a “vitrine” do outro. Ela diz muito sobre a pessoa.

Trilogia dos relacionamentos sustentáveis - episódio 2: Leia a bula

A bula é aquele item que descreve o que todo medicamento pode provocar no organismo. Você adquire o remédio e fica ciente de todo um perfil adequado para a medicação (faixa etária, indicação, contraindicação, reações adversas, etc.). A responsabilidade é toda do sujeito, tendo em vista que ali está prescrito o percurso bioquímico que o medicamento pode ter no corpo humano.

É realmente de se lamentar que seres humanos não já venham com a sua própria bula. Facilitaria bastante. Por exemplo,  “Jorge Antônio, 28 anos”:

- Indicações: pessoas com temperamento efusivo e histriônico;  humor estável. Workholic’s e os que apreciam restaurantes finos e baladas frenéticas nos finais de semana, com leve inclinação para a prática da musculação em dias intermitentes, tendem a ter maior compatibilidade. Tendências de maior afinidade com pessoas que gostem de exposição exacerbada.
- Contra-indicações: pessoas com hipersensibilidade, geniosas/orgulhosas, comportamento introvertido ou que manifeste embotamento afetivo. Pessoas que pratiquem esportes de aventura, ecoturismo, pilates, RPG e turismo cultural também são contra-indicadas nesse caso.
-Reações adversas: incidência entre 5% e 20% - cobranças afetivas e sociais, surgimento da ideologia siamesa “nós dois somos um só”, ciúme generalizado/arbitrário e falta de demonstração de afeto em locais públicos com o passar do tempo.

 Ok, não somos cápsulas medicamentosas. Embora para algumas pessoas os relacionamentos tenham esse efeito: curar, amenizar o sofrimento, espantar a solidão, mera conveniência.

Esse é a típica categoria de “relacionamento-placebo”: não traz nada de muito efetivo, significante ou agregador, mas só o fato de estar ali numa relação estabelecida e socialmente oficializada (mero status? pura fachada?) já traz um pseudo conforto/segurança para a pessoa.

 Seres humanos não tem bula. As rotulações criariam impossibilidades para os encontros, eliminariam candidatos aparentemente pouco sustentáveis, antecipariam diferenças, divergências, conflitos e desentendimentos que, logo de cara, afastariam as pessoas. Cada encontro, que é único, pode suscitar no outro condições psíquicas de sustentabilidade e habilidades sociais de outra natureza que não aquelas que estariam descritas burocraticamente na bula.

 A voracidade do tempo das coisas demanda um imediatismo que se tenta se impor também para o tempo das pessoas, tendendo a criar a lógica pragmática de “pessoas-bula”  o mecanismo ideal para a atualidade descartável: “tenho acesso, leio, vejo se me favorece, o que poderá me causar e opto”. Porém, não temos bula, mas temos alma. E esta, enigmática e densa, requer um pouco mais de devoção para ser lida e descoberta, para além de uma simples bula, quando se está disposto a relacionar-se dignamente com alguém.

A sustentabilidade da relação está em trocar (na semântica é fácil, apenas uma letrinha) o lugar que se deseja que o outro ocupe na relação: da medicação para a meditação. O outro não pode ser um “remédio” que preencha nossos vazios e nos traz uma (falsa) sensação de cura, mas sim aquele que nos leva (e eleva!) a uma condição favorável de autoconhecimento.

Então, segundo passo para um relacionamento sustentável: conheça e construa (paciente e cuidadosamente) a “bula” do outro. 

Trilogia dos relacionamentos sustentáveis - episódio 3 : Tocando em frente































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