segunda-feira, 19 de abril de 2010

A Educação "terceirizada".



“Vivemos atualmente a convivência de uma massa inédita de informações disponíveis e ao mesmo tempo uma incapacidade aparentemente insuperável de interpretação dos fenômenos.”
(Mészáros, 2005 - A Educação para além do capital. Ed. Boitempo.)

Em tempos de discursos de democratização da informação e do conhecimento e que o acesso a eles estaria cada vez mais disponível e ampliado, questiona-se que função relevante a família e a escola exercem hoje e de que modo se completam.

Apesar dos espaços de subjetivação estarem passando por aceleradas transformações e quebras de alguns paradigmas (crise epistemológica), de vivermos anomalias políticas, hemorragias econômicas e seqüelas sociais (crise ética), a família e a escola ainda seguem sendo as principais instituições educacionais e agências de socialização para o sujeito nesse cenário polissêmico e assimétrico.

Com as demandas de mercado e a necessidade de sobrevivência social ligada diretamente à estabilidade econômica, somos convocados direta ou indiretamente a viver do trabalho e para o trabalho. Cada vez mais o tempo é preenchido e ocupado para o trabalho, e cada vez menos há tempo livre e ocioso pra outras necessidades.

Uma das conseqüências do engajamento agudo no mundo do trabalho seria gerar um deslocamento da necessidade de interação social para uma busca por satisfação psíquica/simbólica que tem no consumo e no individualismo a sua essência. Ou seja, o tempo de lazer, as possibilidades de mediação, de um convívio familiar singelo e de educação familiar estão cada vez mais escassas.

Em paralelo, as novas tecnologias de informação e comunicação deslocaram o eixo de transmissão de conhecimento -antes exclusivo da escola- para as novas mídias, as redes digitais (as chamadas infovias), o que põe a família ainda mais na “periferia” do território educacional e deflagra que a ética da essência sucumbiu diante da ética da estética.

Uma outra conseqüência é que a instituição familiar está desaparecendo. O papel de autoridade e referência do pai está em decadência e o modelo tradicional de família, daquelas dos “comerciais de margarina”, corre risco de extinção. A equação é simples: se os pais se ausentam (seja por impossibilidade, seja por vontade própria, ou seja por incompetência) de uma implicação no processo de subjetivação de seu filho, um outro alguém ou uma outra instituição o terá de suprir esta falta, preenchendo este vazio. É por essa via mercantilizada, também, que a família compra da escola, o produto chamado educação. Essa conduta por parte da famiília leva a uma outra, implícita e não menos grave, que é isentar-se do problema, exlcuir-se de sua função educadora e eliminar sua culpa iminente.

A família então, diluída e fragmentada, hoje se vê incapacitada em transmitir valores, princípios e ideais de vida. Em crise, “terceiriza” a educação junto à escola. O educar, que já foi (mas devia continuar sendo) uma atividade partilhada entre família e escola, hoje é encaminhando pela família como algo exclusivo da escola. Conceitualmente, o significado de uma terceirização é contratar serviços, atribuir, delegar, transferir atividades quando não se quer ter responsabilidades, implicações efetivas, participações contundentes ou então quando não se tem competência para exercer aquela determinada função. No caso da família que matricula o filho numa escola particular, não se trata de incompetência (não quero e não consigo) para educar, mas sim uma impossibilidade aliada ao desinteresse (não tenho tempo e não sei se quero). Essa condição a faz atribuir a “terceiros” uma educação se eximindo totalmente da sua parcela, do seu compromisso sócio-educacional.
A relação e o diálogo entre família e escola deixa de ser horizontal para ser um diálogo verticalizado (em tom de exigência e cobrança), já que a família está na condição de cliente, ela pagou por aquele serviço, comprou aquela formação educacional. Logo, na sua lógica, nada mais lhe cabe, pois a troca do dinheiro pelo serviço educativo não lhe dá deveres, mas sim direitos; não lhe dá atribuições, mas sim privilégios; não lhe dá tarefas, mas sim inatividade. É sob essa lei a qual somos condicionados. É o que ela ensina. É o que nós apreendemos. Internalizando a lógica capitalista, a naturalizamos, generalizando e reproduzindo essa dinâmica indiscriminadamente para qualquer seara da vida social.

Não de forma proposital e perversa, mas o simples ato de pagar por uma educação, faz a família se isentar de participação direta das responsabilidades educacionais. Esse é o diálogo subliminar das famílias com a escola particular: “Para quê estou lhe pagando? Se vire, o problema é seu, essa é a sua tarefa!”. O nível da cobrança é como se a educação fosse um produto. Como se esse “produto com defeito” ainda estivesse na “garantia”, ainda pudesse e devesse funcionar. As famílias ainda não entenderam que a “garantia” para uma educação significativa é a sua simples e natural participação no enredo da formação lúdica, moral e lingüística da criança. Enquanto isso não acontece e as famílias não se reorganizam para reinventar uma nova forma de educação mediada que vise à superação desse antagonismo, viveremos na era da educação terceirizada.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Guerra Semântica.


Fui ao cinema assistir Guerra ao terror, o filme que mais ganhou prêmios do Oscar neste ano. Psicologicamente interessante e ideologicamente polêmico, traz algumas situações contraditórias e clama por contestações e interpretações. Guerra ao terror deixa em aberto, mesmo que implicitamente, qual sua real mensagem em relação ao terrorismo ou a guerra e não contextualiza as raízes daquela relação terrorismo-guerra especificamente. Ocultar esses aspectos é uma opção arriscada quando se pretende fazer um filme desse teor, pois pode soar distorcido do real e politicamente tendencioso. Mas talvez não fosse essa a sua proposta. Cinema é arte, misto de fantasia/realidade, de livre-criação, e como tal não tem a obrigação em ser fiel com a História social, ainda que seja um recorte da realidade que dispõe a tratar. Feita a ressalva, o questionamento dos mecanismos geopolíticos e ideológicos (lacunas do filme) que compõe o cenário do oriente médio no século XXI, nesse texto não serão omitidos.

O próprio nome, provocativo, do filme já sugere uma contradição e inclusive uma incoerência. “Guerra ao terror”. Analisando melhor surgem as questões: (1) pretendem, incoerentemente, combater o terror com a guerra? Seria como condenar a pena de morte àqueles que matam. Lógica destrutiva, de essência primitiva e nada saudável, pois só reproduz o ódio recíproco e o ciclo da barbárie. (2) O terrorismo do filme seria uma resposta à guerra? Ou seja, uma represália de facções ou civis às ocupações militares dos americanos em solo iraquiano? Não havia ataques terroristas no Iraque até o período da invasão americana. (3) No quê difere a guerra do terrorismo? Todas essas questões são aspectos de uma teia geopolítica que o filme não aborda.

Toda e qualquer guerra seja em qual for o período histórico, é horrenda, macabra, genocida, aterrorizadora, aterrorizante, portanto, terrorista. A guerra combate o terror. E quem (ou o quê) combate a guerra? A guerra é tão estúpida quanto o terrorismo. Porém, tem no estado/governo a legitimação político-militar para autorizar sua naturalidade, enquanto que o terrorismo, semanticamente, carrega em si uma imagem estritamente negativista, anarquista, subversiva, pavorosa, causadora de torturas e lesões corporais, em resumo uma ameaça à ordem estabelecida ( leia-se uma ameaça à hegemonia do império dos EUA).

Desde os atentados de 11 de setembro, os EUA (que durante a guerra fria financiou guerrilhas afegãs pra combater a URSS nos anos 80) alarmam um estado de tensão constante, em tom universal e generalizante, sempre se referindo à ameaça do terrorismo como o maior mal existente sobre a terra. Daí viria o propósito de uma “guerra ao terror”. Uma represália, uma desforra, uma autodefesa isso numa primeira instância. Com esse discurso querem nos fazer crer ingenuamente que estão blindando o mundo heroicamente contra atentados terroristas. Enquanto que em última instância garantem a manutenção do poder ao expandir a rede de bases militares americanas no mundo e por tabela asseguram o controle de áreas economicamente estratégicas devido à presença de grandes reservas de petróleo e gás natural. Nem só de violência ou vingança vive-se uma guerra, já dizia o capitalismo.

Agora pergunto: os governos detentores de armas ou projetos nucleares que causam um risco radical de aniquilamento da humanidade, o ataque nuclear de Hiroshima e Nagasaki, o holocausto promovido pelo estado alemão nazista contra judeus, todos esses genocídios não são uma forma de terrorismo de estado? Em todos os casos, em ultima instância, é a ciência a serviço da exclusão e do extermínio.