terça-feira, 6 de abril de 2010

Guerra Semântica.


Fui ao cinema assistir Guerra ao terror, o filme que mais ganhou prêmios do Oscar neste ano. Psicologicamente interessante e ideologicamente polêmico, traz algumas situações contraditórias e clama por contestações e interpretações. Guerra ao terror deixa em aberto, mesmo que implicitamente, qual sua real mensagem em relação ao terrorismo ou a guerra e não contextualiza as raízes daquela relação terrorismo-guerra especificamente. Ocultar esses aspectos é uma opção arriscada quando se pretende fazer um filme desse teor, pois pode soar distorcido do real e politicamente tendencioso. Mas talvez não fosse essa a sua proposta. Cinema é arte, misto de fantasia/realidade, de livre-criação, e como tal não tem a obrigação em ser fiel com a História social, ainda que seja um recorte da realidade que dispõe a tratar. Feita a ressalva, o questionamento dos mecanismos geopolíticos e ideológicos (lacunas do filme) que compõe o cenário do oriente médio no século XXI, nesse texto não serão omitidos.

O próprio nome, provocativo, do filme já sugere uma contradição e inclusive uma incoerência. “Guerra ao terror”. Analisando melhor surgem as questões: (1) pretendem, incoerentemente, combater o terror com a guerra? Seria como condenar a pena de morte àqueles que matam. Lógica destrutiva, de essência primitiva e nada saudável, pois só reproduz o ódio recíproco e o ciclo da barbárie. (2) O terrorismo do filme seria uma resposta à guerra? Ou seja, uma represália de facções ou civis às ocupações militares dos americanos em solo iraquiano? Não havia ataques terroristas no Iraque até o período da invasão americana. (3) No quê difere a guerra do terrorismo? Todas essas questões são aspectos de uma teia geopolítica que o filme não aborda.

Toda e qualquer guerra seja em qual for o período histórico, é horrenda, macabra, genocida, aterrorizadora, aterrorizante, portanto, terrorista. A guerra combate o terror. E quem (ou o quê) combate a guerra? A guerra é tão estúpida quanto o terrorismo. Porém, tem no estado/governo a legitimação político-militar para autorizar sua naturalidade, enquanto que o terrorismo, semanticamente, carrega em si uma imagem estritamente negativista, anarquista, subversiva, pavorosa, causadora de torturas e lesões corporais, em resumo uma ameaça à ordem estabelecida ( leia-se uma ameaça à hegemonia do império dos EUA).

Desde os atentados de 11 de setembro, os EUA (que durante a guerra fria financiou guerrilhas afegãs pra combater a URSS nos anos 80) alarmam um estado de tensão constante, em tom universal e generalizante, sempre se referindo à ameaça do terrorismo como o maior mal existente sobre a terra. Daí viria o propósito de uma “guerra ao terror”. Uma represália, uma desforra, uma autodefesa isso numa primeira instância. Com esse discurso querem nos fazer crer ingenuamente que estão blindando o mundo heroicamente contra atentados terroristas. Enquanto que em última instância garantem a manutenção do poder ao expandir a rede de bases militares americanas no mundo e por tabela asseguram o controle de áreas economicamente estratégicas devido à presença de grandes reservas de petróleo e gás natural. Nem só de violência ou vingança vive-se uma guerra, já dizia o capitalismo.

Agora pergunto: os governos detentores de armas ou projetos nucleares que causam um risco radical de aniquilamento da humanidade, o ataque nuclear de Hiroshima e Nagasaki, o holocausto promovido pelo estado alemão nazista contra judeus, todos esses genocídios não são uma forma de terrorismo de estado? Em todos os casos, em ultima instância, é a ciência a serviço da exclusão e do extermínio.

Um comentário:

  1. Perfeito, cara! Gostei da abordagem. E está muito bem escrito. Parabéns!

    Pois é. Vou aproveitar a minha releitura atual e lembra que, como diria o psicólogo americano Murray Sidman, "o que a punição ensina?" E todos nós respondemos - ao menos assim deveria ser -: não ensina nada. Controle, contra controle e mais controle coercitivo, e fuga e esquiva, e desistência e violência sem fim.

    Eu não tenho "sangue de barata". Ou seja, tenho pouca tolerância à barbárie cometida por quem guerreia, inclusive na "guerra civil urbana" do nosso dia a dia. Mas, "retaliação" tem limite – se é que tem lugar. E esse limite, a meu ver, só pode ser definido pela compreensão ampla do contexto no qual co-existem guerra e terrorismo. Desse modo, se faz necessária a flexibilidade para ter menos e compartilhar mais; em todas as searas da vida.

    Guerra ao terror, uma ova! Guerra pelo "meu estilo de vida". E "o meu" não é melhor nem pior do que o de ninguém. Então...

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