O Chiclete com Banana não é, nunca foi nem
será, uma banda qualificada musicalmente falando. Não é uma banda de escuta, é
uma banda de agito. Até os chicleteiros reconhecem. Têm muitas bandas, de axé
inclusive, que são musicalmente melhores, mais bem ensaiadas, com músicos mais
estudados e evoluídos, porém não fazem o mesmo sucesso junto ao povo. Esse
modelo de projeto muito organizadinho não vende, o povo não abraça. Pelo menos
na Bahia.
O Chiclete é um mito. Tecnicamente
não tem muito que mostrar, nada exuberante, espetaculoso. Mas quando toca,
agita! Sempre acompanharam bem as demandas de mercado, mudando o estilo e a
linguagem das músicas ao passar do tempo. De galopes e lambadas da década de 80
(mistério da estrelas, sementes, gritos de guerra; aê-aê do amor, acredite se
quiser, vai la mané), ao samba-reggae e merengues da década de 90 ( cara
caramba sou camaleão, amar você não dói, titerê) para baladas românticas dos
anos 2000 (diga que valeu,100% você, eu quero esse amor, não vou chorar). Seu
sucesso é inquestionável há 30 anos, algo digno de pesquisa acadêmica.
Seus músicos são bem limitados e não precisa
entender muito de música pra se constatar isso. Até um leigo percebe que a
banda toca improvisando, por ora atravessando uns aos outros, sem dinâmica
alguma, errando notas e convenções. Mas paira na sua música algo de
contagiante, quando as limitações individuais se juntam.
Minha hipótese é de que o povo
baiano se identifica com a banda, pois reconhece nela traços enraizados
culturalmente em seu comportamento e que é através da banda que o povo se
reconhece. A banda tocando,diz: “ó, vocês também são assim, como nós...alegres,
gaiatos, esculhambados e que não precisa ser fora de série pra fazer sucesso ou
ser competente”. O povo entende muito bem essa mensagem não-dita, nunca-dita. A
banda serve de espelho identitário cultural, alento, diversão e extravagância.
É muita coisa pra uma banda só...o chicleteiro entra em transe. É uma dupla sensação de orgasmo musical e afirmação
da pertença cultural. Ver o Chiclete no Domingão do Faustão é uma realização
pra essa gente. Como se tivesse um êxito na própria vida. “Minha cultura está
sendo representada e reconhecida em nível nacional”. Como se fosse ele próprio
lá. O Chiclete é uma extensão do seu ser.
Ouvir e dançar com o Chiclete é
um exercício psicológico de reconhecimento da cultura local. Uma banda com um
ritmo contagiante, dançante e que ainda alia a isso características inconscientes
que representam a essência do povo baiano: criatividade, muito improviso,
indiferença por regras e ordens, desleixo, afeição por uma “esculhambação”
prazerosa representada pela “bagunça musical” da banda. Se fosse muito certinha
como a banda de Daniela Mercury, (que pra mim é a melhor da Bahia junto com a de Brown) sua protagonista e seus discursos em prol da
cidadania, mesmo que pertinentes e éticos, não creio que o Chiclete faria tanto
sucesso. Baiano é gaiato e Chiclete é gandaia!
É uma fórmula mágica, única, onipotente,
não planejada, que não tem receitas. Não tem genérico certo: Patchanka, Xicana,
Chicabana, Nairê etc. O Chiclete só é possível ser Chiclete por ser criado na
Bahia. É criador e criatura. A magia inexplicável que faz a banda ser o mito
que faz sucesso sem ser grandes coisas, é a mesma que faz a Bahia ter o poder
de legitimar a banda para todo Brasil, fazendo com que essa banda limitada seja
apreciada também em outros estados, sendo sucesso nacional e afirmando traços
da baianidade Brasil afora. “Que força é essa?” É a magia da Bahia. Que não
pode ser lida em textos, compreendida em palavras, ouvida em músicas ou sentida
na baía de todos os santos. Essa magia está além do entendimento.
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