quarta-feira, 8 de maio de 2013

Leia com Atenção


Algo que me deixa bastante intrigado é pensar como se vive hoje numa sociedade que induz e faz uma apologia à atenção “polivalente”, ao mesmo tempo em que, sobretudo através das escolas, cresce o diagnóstico de déficit de atenção. Definido por uma facilidade de distração frente estímulos diversos, devaneios frequentes e comportamento de procrastinação.

 Eu acho confuso viver um tipo de vida que propague não só o sujeito multi-tarefas-cotidianas, mas também que as exerça em tempo hábil e efêmero, e ao mesmo tempo querer cobrar, exigir, formar, educar, criar ou produzir (desculpem pela repetição de verbos, minha atenção flutuou!) sujeitos ou modelos comportamentais que não divaguem, que não se distraiam, que não devaneiem ou que não sejam diagnosticados com “transtorno de déficit de atenção”. Ué, mas não é justamente isso que estamos propondo enquanto modelo de vida que exacerba a informação ilimitada? Proponho rever o termo e chamar de “transtorno” (se é que isto se configura um transtorno para a forma de vida contemporânea) da atenção polivalente. Não há déficit, mas sim um meio de vida com um sistema de informações rico, múltiplo e variado, que reparte e distrai a atenção para vários estímulos. E a TV paga, seja Sky, GVT, Claro repercute isso muito bem. São mais de 110 canais e você não passa 10 minutos assistindo um programa sem sequer dar uma passeada por outros. Tem o mosaico multi-jogos também, um canal que na mesma tela passa quatro jogos ao vivo. Qual assistir? Olha os quatro, mas não assisti nenhum. Só temos dois olhos, pra quê quatro jogos? Acho que nem aquele colega (todo mundo teve um) da escola que usava óculos, apelidado de “quatro-zói” dava conta. Talvez seja uma tarefa para o portador da atenção polivalente. Enxerga muito, mas assimila pouco.

(Calma, já vou concluir, não vou tomar muito mais da sua atenção que já deve estar impaciente procurando outra tarefa para se entreter. Mas se você chegou até aqui sem dispersar, pode ir mais adiante).

Estamos sendo instruídos a não nos ocupar com coisas que tomem muito tempo, a largar o que seja difícil ou complexo. Portanto a permanência da atenção em apenas uma tarefa já é, hoje, algo socialmente condenável e mercadologicamente defasado. Há uma política da interrupção da atenção. Interrupção de qualquer atividade pelo toque do celular, pela conversa do whatsapp, pela leitura dos emails, pelo chat do skype, pelas sinalizações do facebook. Pela convocação do mundo das comunicações, já que ele nos impõe a condição de estarmos sempre disponíveis.

Hoje em dia uma conversação longa e atenta é menos importante. Talvez até chata. Muito provavelmente enfadonha. Que o digam hoje os “pegadores frenéticos” frequentadores assíduos das baladas com seus métodos de abordagem que beiram a política da troca de pneus na Fórmula1: quanto menor o tempo em que for realizado, mais eficiente você é. Tem também o método de abordagem baseado na política da concessionária de carros, trabalho em que se vence a concorrência de acordo com as metas estipuladas: quanto maior a quantidade, mais “fodão” você é. Pois é. O campo dos relacionamentos não estaria alheio ao modelo de vida desatento e veloz.

E o microondas? Extinguiu aquele bate-papo gostoso na cozinha, conversa fiada despretensiosa, enquanto se degusta a comida no imaginário apenas sentindo seu cheiro, observando o preparo dos temperos, petiscando um aperitivo roubado na panela antes de ir à mesa. No mundo desatento e veloz não é bem assim. O microondas chegou para desfocar sua atenção e acelerar sua vida. Compre seu nuggets e sua lasanha congelada da Sadia e levem-nos para o microondas. Programe o tempo e aguarde até apitar. Não necessita bate-papo na cozinha para degustação olfativa. Siga as instruções. Você terá tempo para checar emails, colocar o filho pra dormir, ir à academia, tomar seu herbalife, telefonar pra tia que mora em outro estado, cortar as unhas e ainda ver um pedacinho da novela e reproduzir clichês fúteis. Só tem um problema: a lasanha e o nuggets esfriaram.

P.S. Se você chegou até aqui garanto que não sofre de déficit de atenção e merece os parabéns, pois conseguiu se ocupar com algo sem dispersar.

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