Algo que me
deixa bastante intrigado é pensar como se vive hoje numa sociedade que induz e
faz uma apologia à atenção “polivalente”, ao mesmo tempo em que, sobretudo
através das escolas, cresce o diagnóstico de déficit de atenção. Definido por
uma facilidade de distração frente
estímulos diversos, devaneios frequentes e comportamento de procrastinação.
Eu acho confuso viver um tipo de vida que
propague não só o sujeito multi-tarefas-cotidianas, mas também que as exerça em
tempo hábil e efêmero, e ao mesmo tempo querer cobrar, exigir, formar, educar,
criar ou produzir (desculpem pela repetição de verbos, minha atenção flutuou!)
sujeitos ou modelos comportamentais que não divaguem, que não se distraiam, que
não devaneiem ou que não sejam diagnosticados com “transtorno de déficit de
atenção”. Ué, mas não é justamente isso que estamos propondo enquanto modelo de
vida que exacerba a informação ilimitada? Proponho rever o termo e chamar de
“transtorno” (se é que isto se configura um transtorno para a forma de vida
contemporânea) da atenção polivalente. Não há déficit, mas sim um meio de vida
com um sistema de informações rico, múltiplo e variado, que reparte e distrai a
atenção para vários estímulos. E a TV paga, seja Sky, GVT, Claro repercute isso
muito bem. São mais de 110 canais e você não passa 10 minutos assistindo um
programa sem sequer dar uma passeada por outros. Tem o mosaico multi-jogos
também, um canal que na mesma tela passa quatro jogos ao vivo. Qual assistir?
Olha os quatro, mas não assisti nenhum. Só temos dois olhos, pra quê quatro
jogos? Acho que nem aquele colega (todo mundo teve um) da escola que usava
óculos, apelidado de “quatro-zói” dava conta. Talvez seja uma tarefa para o
portador da atenção polivalente. Enxerga muito, mas assimila pouco.
(Calma, já vou
concluir, não vou tomar muito mais da sua atenção que já deve estar impaciente procurando
outra tarefa para se entreter. Mas se você chegou até aqui sem dispersar, pode ir mais adiante).
Estamos sendo
instruídos a não nos ocupar com coisas que tomem muito tempo, a largar o que
seja difícil ou complexo. Portanto a permanência da atenção em apenas uma
tarefa já é, hoje, algo socialmente condenável e mercadologicamente defasado. Há
uma política da interrupção da atenção. Interrupção de qualquer atividade pelo
toque do celular, pela conversa do whatsapp, pela leitura dos emails, pelo chat
do skype, pelas sinalizações do facebook. Pela convocação do mundo das
comunicações, já que ele nos impõe a condição de estarmos sempre disponíveis.
Hoje em dia uma
conversação longa e atenta é menos importante. Talvez até chata. Muito
provavelmente enfadonha. Que o digam hoje os “pegadores frenéticos”
frequentadores assíduos das baladas com seus métodos de abordagem que beiram a
política da troca de pneus na Fórmula1: quanto menor o tempo em que for
realizado, mais eficiente você é. Tem também o método de abordagem baseado na
política da concessionária de carros, trabalho em que se vence a concorrência
de acordo com as metas estipuladas: quanto maior a quantidade, mais “fodão”
você é. Pois é. O campo dos relacionamentos não estaria alheio ao modelo de
vida desatento e veloz.
E o microondas?
Extinguiu aquele bate-papo gostoso na cozinha, conversa fiada despretensiosa,
enquanto se degusta a comida no imaginário apenas sentindo seu cheiro, observando
o preparo dos temperos, petiscando um aperitivo roubado na panela antes de ir à
mesa. No mundo desatento e veloz não é bem assim. O microondas chegou para
desfocar sua atenção e acelerar sua vida. Compre seu nuggets e sua lasanha
congelada da Sadia e levem-nos para o microondas. Programe o tempo e aguarde
até apitar. Não necessita bate-papo na cozinha para degustação olfativa. Siga
as instruções. Você terá tempo para checar emails, colocar o filho pra dormir, ir
à academia, tomar seu herbalife, telefonar pra tia que mora em outro estado, cortar
as unhas e ainda ver um pedacinho da novela e reproduzir clichês fúteis. Só tem
um problema: a lasanha e o nuggets esfriaram.
P.S. Se você
chegou até aqui garanto que não sofre de déficit de atenção e merece os
parabéns, pois conseguiu se ocupar com algo sem dispersar.
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